segunda-feira, 21 de março de 2011

Dos mirabolantes fundamentos das provas de "marcar X"


Já foi alegado, em outro post, que a “prova não prova nada”, que o sistema de avaliação é imperfeito e o modelo de educação superior atualmente adotado deveria ser abolido. Enquanto esta situação surreal não se torna realidade, a PUC vai se virando com seus limitados e tradicionais mecanismos de avaliação disponíveis no mercado educacional. Acredito que, mesmo atuando dentro do possível, na PUC nos deparamos com certos abusos que precisam ser discutidos e revistos.
Neste segundo ano de curso, tem sido muito comum me deparar com testes objetivos, os chamados “de marcar X”. Eles são compostos, geralmente, de 10 itens, valendo um ponto cada. Já me manifestei em algumas aulas a este respeito, dizendo que tais provas fornecem um quadro estatisticamente ruim ao professor. Um instrumento com apenas 10 itens tende a ser inadequado, principalmente quando a precisão da avaliação fica comprometida pela desproporcional relação entre quantidade de conteúdo avaliado e o reduzido número de itens do teste. No curso de Direito, que padece do mal do excesso de informações, acredito que o mais adequado seria uma prova de, pelo menos, 20 itens, valendo 0,5 ponto cada. Entretanto, como não fundamentei matematicamente minha observação, nenhum professor a levou a sério.
O fato é que alguns professores, que adotam este modelo, se justificam dizendo que as provas da OAB e de Concursos Públicos se estruturam desta forma. Alguns concursos, por exemplo, trariam apenas 10 questões por disciplina. Ora, este tipo de justificativa pode incorrer em pelo menos duas contra-razões:
1º - Se o professor adota o modelo de provas de concursos públicos, deveria então dar suas aulas em consonância com o modelo dos cursos preparatórios para concursos. Não quero com isso dar a conotação maldosa que já ouvi de alguns de que se o modelo adotado é a prova de concurso, então a aula deveria ser tão boa como a dos cursinhos. Na verdade, mais do que isso, ter como critério o Concurso Público implica em mudança de toda a sistemática e ritmo de aula, do material disponibilizado, da forma de atendimento das dúvidas dos alunos etc. Será que a PUC daria conta desta demanda (ou nela teria interesse)?
2º - As provas de concursos públicos são instrumentos de seleção de pessoal. Não podem ser confundidas com provas que servem de instrumentos de avaliação do desempenho e aprendizado acadêmico. Por mais que a aproximação entre mercado e academia seja desejável (para alguns), elas são entidades diferentes na essência. É aceitável que professor planeje suas aulas tendo como foco o concurso público e a prova da Ordem, mas não é cabível a hipótese de que este seja seu único objetivo. Mais chato ainda é agir de má-fé (com já presenciei mais de uma vez), invocando o concurso na hora das provas e, durante a aula, alegar que a PUC não é cursinho preparatório.
As provas “de marcar X” se justificam, em parte, pela facilidade que trazem à vida de um professor mal remunerado, enormemente atarefado, cheio de provas para corrigir e aulas para planejar. Não obstante, creio também que este modelo é marcado por uma série de armadilhas que precisam ser evitadas. A elaboração de uma prova objetiva é inversamente proporcional à facilidade de sua correção. Isto quer dizer que o professor, no momento da elaboração da prova:

a) Deve ter muito cuidado com dubiedades, lacunas e erros gramaticais.

b) Pode utilizar questões retiradas de concursos púbicos realizados, desde que faça as devidas readaptações para o contexto de sala de aula. Por exemplo, se o professor não tratou de determinado assunto em sala ou não indicou material bibliográfico específico que trate do tema, não pode cobrá-lo na prova, nem sob a alegação de que a questão poderia ser resolvida por dedução lógica.

c) Deve tentar distribuir proporcionalmente todo o conteúdo dado em sala pelas questões da prova, evitando a concentração sob um mesmo tema, repetições ou itens que ajudem na resposta de outros itens.

d) Deve evitar as polêmicas de âmbito jurisprudencial ou doutrinário. Questões objetivas devem ser inequívocas ou, quando muito, estar assentadas em posição majoritária. O ideal é guardar as polêmicas para a prova dissertativa. Se, entretanto, for importante tratar das dissidências, estas devem ser enfaticamente tratada durante as aulas.

e) Deve evitar, para não cometer injustiça, dar dicas durante a realização da prova, salvo quando o faz para toda a turma, antes que o primeiro aluno tenha saído de sala. O ideal é que os enunciados, como nos concursos públicos, sejam auto-explicativos.

Além destas armadilhas, é bom sempre ter em conta que as questões objetivas não são aptas a avaliar a capacidade de formulação do aluno, mas apenas a de “absorção” dos conteúdos (vide post abaixo sobre a decoreba). Essa capacidade, ainda que importante, é passiva. Portanto, seria imprescindível o complemento dado pelas questões discursivas, as baseadas em casos concretos, as provas orais e, tomando os devidos cuidados contra o plágio, os trabalhos dissertativos.
Acredito que se espremermos o que foi dito neste extenso comentário, temos a seguinte fórmula: a avaliação não mede apenas a quantidade de conteúdo apreendido, mas a qualidade do mesmo. Por isto, uma prova meramente objetiva, por si só, não tem o condão de realizar a adequada avaliação discente.
Ricardo Orsini - ricardo.orsini@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário